quinta-feira, 30 de abril de 2009

Plano da exposição referente ao tema "Contencioso Regulamentar: A declaração de ilegalidade por omissão"

1. Apresentação sumária do meio processual
2. Noção de norma
3. O problema da legitimidade
4. Violação do dever de regulamentar
5. Conteúdo e natureza da pronúncia

Bibliografia:
ALMEIDA, Mário Aroso de, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, 2005
ALMEIDA, Mário Aroso de; CADILHA, Carlos Alberto Fernandes, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, 2007
ALVES, Pedro Delgado, O Novo Regime de Impugnação de Normas in Novas e Velhas Andanças do Contencioso Administrativo
AMARAL, Diogo Freitas do, Direito Administrativo IV
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo II
ANDRADE, José Carlos Vieira de - A Justiça Administrativa, Coimbra, 2006
ASCENSÃO, Oliveira, O Direito – Introdução e Teoria Geral
CAUPERS, João, Um dever de Regulamentar? in Legislação nº 18, 2007
MACHADO, Jonatas, Breves Considerações em torno do âmbito da justiça administrativa, in Stvdia Ivridica, 86, Coimbra, 2005
MATOS, André Salgado, Princípio da Legalidade e Omissão Regulamentar in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano, Volume I, Coimbra, 2006
MORAIS, Carlos Blanco de, Justiça Constitucional, Tomos I e II, Coimbra, 2005
OLIVEIRA, Mário Esteves de; OLIVEIRA, Rodrigo E, Código de Processo nos Tribunais Administrativos Anotado, Volume I, Coimbra, 2006
OTERO, Paulo, A impugnação de norma no Anteprojecto de Código de Processo Nos Tribunais Administrativos in Reforma do Contencioso Administrativo, Volume I
PINTO, Mário Jorge Lemos, Impugnação de Normas e Ilegalidade por Omissão, Coimbra, 2008
SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio Sobre as Acções no Novo Processo Administrativo, Coimbra, 2005
SILVA, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito, Coimbra
António Pedro Delgado
Isabel Alves da Silva

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Um desafio...

Da investigação feita para o trabalho que versa sobre “Cumulação de pedidos no âmbito do CPTA”, sobressaiu, pela forma como o tema é abordado, o seguinte texto do Prof. Sérvulo Correia, extraído da obra “Direito do Contencioso Administrativo”, Vol. I, Lex, Lisboa 2005, pp. 757 e seguintes, que aqui se deixa como um desafio para quem deseje comentar:

“Teve êxito (tanto quanto podemos julgá-lo no presente momento) a pretensão do legislador da Reforma de assegurar um dos mais importantes factores da efectividade da tutela jurisdicional administrativa, que é a omnicompreensividade. Por esta característica, deve entender-se a virtualidade da jurisdição administrativa de dirimir todos e quaisquer litígios que possam emergir no respectivo âmbito material sem que a tipicidade dos pedidos próprios de certas formas de processo degenere em lacunas de protecção e sem que a composição do leque dos meios processuais provoque o seccionamento por processos distintos de aspectos de uma mesma relação jurídica administrativa (ou de uma rede de relações conexas) susceptível de julgamento integral.

As lacunas de protecção ficam doravante arredadas graças à afirmação do princípio da atipicidade dos pedidos e das correspondentes pronúncias, tanto na acção administrativa comum (CPTA, artigo 37º, n.ºs 1 e 2) como nos processos cautelares (CPTA, artigo 112º, n.ºs 1 e 2). (…)
O seccionamento forçado do objecto da lide, resultante da limitação do poder de pronúncia aos meros efeitos anulatórios (ou à declaração de inexistência ou nulidade), nos casos relacionados com actos administrativos ou normas regulamentares, foi por seu turno ultrapassado por força do reconhecimento do princípio da cumulabilidade dos pedidos, incluindo os pedidos próprios de distintas formas de processo (CPTA, artigos 4º, 5º e 47º).

(…)

Graças à cessação do enclausuramento do poder de pronúncia jurisdicional num elenco taxativo e lacunoso de tipos de decisão e à correspondente abertura da possibilidade de sobrepor o âmbito da cognição à globalidade da relação controvertida (ou, mesmo, da rede de relações carecidas de composição unitária por força de um posicionamento material recíproco de prejudicialidade ou de dependência), assegura-se a completude e a adequação do remédio processual. Estes valores estruturantes, directamente integrativos da directriz constitucional da efectividade da tutela, são acentuados no n.º 2 do artigo 2º do Código, quando se estabelecem como fins a extensão da tutela a todo o direito ou interesse legalmente protegido
e o atingimento por esta de um grau adequado.”

Ana Vidigal
Ana Fonseca

Será a cumulação de pedidos o princípio do fim dos trabalhos de Sisífo?

O trabalho que será apresentado no dia 16 de Abril na aula de Contencioso Administrativo versa sobre a “Cumulação de pedidos no âmbito do CPTA”, consagrada enquanto princípio no art. 4º do CPTA e que foi uma das inovações mais relevantes trazidas pela Reforma do Contencioso Administrativo, como reforço do princípio da tutela jurisdicional efectiva.

A própria Proposta de Lei n.º92/VIII que originou o Código considera tal princípio “uma inovação que vem pôr termo a um sistema em que o interessado que se dirigia à justiça administrativa se via, muitas vezes, forçado a lançar mão de sucessivos meios processuais para obter a satisfação de pretensões inseridas numa mesma relação jurídica material.

O reconhecimento da importância deste meio tem sido unânime na doutrina como representando uma real transformação no sistema da justiça administrativa, como refere o Prof. Vieira de Andrade, in “A justiça administrativa – Lições”, 6ª edição, Almedina, Outubro de 2004, p. 180 e segs.. Diz este autor que a cumulação de pedidos supera “os obstáculos da diferença de competência ou de trâmite (…)” ao permitir ultrapassar “(…) as limitações e as consequências nefastas que podiam apontar-se à rigidez dos meios processuais, designadamente, quanto à obtenção de uma decisão que confira aos particulares uma tutela efectiva e em tempo útil.”

Não querendo alongar a exposição, deixamos como referência alguns títulos consultados:

· "Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo" de Freitas do Amaral e Aroso de Almeida, 3ª edição, Almedina, Maio de 2007;
· “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo”, Vasco Pereira da Silva, 2ª edição, Almedina, Março de 2009;
· “Todo o contencioso administrativo se tornou de plena jurisdição”, Vasco Pereira da Silva, in CJA n.º 34, p. 24 e seguintes;
· “Cumulação de pedidos e cumulação aparente no contencioso administrativo”, Miguel Teixeira de Sousa, in CJA n.º 34, p. 33 e seguintes;
· “Implicações de acumulação de pedidos na instrução do processo”, José Manuel Santos Botelho, in CJA n.º 34, p. 40 e seguintes;

Ana Fonseca
Ana Vidigal

domingo, 5 de abril de 2009

A CAUSA DA COUSA

Senhor! A mais bela, e útil descoberta moral do Século passado foi, sem dúvida, a diferença de administrar e julgar (…).
Em poucas Nações se fixaram os limites das jurisdições, nem mesmo a respeito das pessoas dos Julgadores; e montes de ouro se gastaram, para saber a quem pertence a decisão de certo negócio, ou certa demanda.
Sem tratar precisamente das questões de jurisdição contenciosa, posso dizer com verdade, que entre os Portugueses nunca foi bem definido, e por isso nunca bem sabido, o que podia fazer um General, e um Juiz; um Eclesiástico, ou um Capitão-Mor: atribuições diferentes eram dadas indiferentemente, e sobre o mesmo indivíduo eram acumuladas jurisdições não só incompatíveis, mas destruidoras umas das outras.
Era absurdo que as Câmaras dependessem dos Generais, que os Juízes fossem fornecedores, e que os Eclesiásticos fossem administradores e às vezes Soldados; era absurdo que a Lei exigisse dos Magistrados conhecimentos locais, e ao mesmo tempo os retirasse, quando começavam a adquiri-los; e era absurdo que os Militares chamassem os Julgadores, e os repreendessem por maus fornecedores; e era absurda tanta coisa, e tanta, que a sua enumeração formaria um livro, e não um Relatório.
Neste caos achou a Carta o malfadado Reino (…).
Quanto à Administração, a matéria e forma são novas para Portugal, e as bases são tomadas na Legislação de França: a administração é a cadeia, que liga todas as partes do corpo social, e forma delas um todo, fazendo-as referir a ele. A Justiça é a inspectora, que impede que os anéis da cadeia se rompam, corrigindo os vícios, e os abusos de todas as divergências; por isso administrar é a regra geral, julgar é a regra particular. (…) A Justiça é a consequência da Administração, porque esta representa a união de interesses sociais, e a Justiça é o meio de reprimir os divergentes, e de os fazer entrar no circuito geral, e na concorrência do bem comum. (…)
A Administração é instituída para vigiar em toda a parte as pessoas, e as coisas em suas relações públicas, a fim de as fazer concorrer para a utilidade geral. Sendo a Administração o meio da execução directa da vontade pública, e por isso activa, o bem comum é o seu objecto, e o fim dos seus cuidados; e a execução das Leis de interesse comum a sua atribuição geral.
As Leis administrativas são complemento da Lei orgânica fundamental, ou da Carta.
As Leis administrativas são Leis públicas, que prescrevem obrigações a respeito de pessoas como membros da Nação, e a respeito das propriedades como elementos de riqueza pública: conveniência geral é o seu elemento, a equidade o seu princípio.
A Lei fundamental das garantias das pessoas e das propriedades, em matéria de Administração, bem como a da organização administrativa, é de natureza estável, porque vem da regra constitucional.
As Leis regulamentares, ou os modos de executar as Leis fundamentais, podem ser alteradas, mas nunca sem se consultar o interesse comum, que é o espírito da Carta, ao qual devem seguir.
O Cidadão é sempre submisso à acção administrativa.
………………………………………………………….
As Magistraturas administrativas são incompatíveis com as judiciais, e as suas funções não podem acumular em caso algum. (…)
A autoridade administrativa é independente da judiciária: uma delas não pode sobre-estar na acção da outra, nem pôr-lhe embaraço, ou limite: cada uma pode reformar seus actos próprios.
As questões de atribuições e competências, e direitos, que delas provierem, são litígios para decidir: no caso de nascerem da escuridade, ou falta de Leis é o Poder Legislativo quem deve prover; no caso de abuso de execução, ou ignorância de inteligência de Lei, compete ao Governo entender no negócio que, sendo de natureza grave, deve ser levado ao Conselho de Estado.

Extractos do “Relatório dos decretos de 16 de Maio de 1832” redigido por José Xavier Mouzinho da Silveira.
O título é do “postador” Rui Aleixo



sexta-feira, 3 de abril de 2009

Ainda o âmbito da jurisdição administrativa e o ilícito de mera ordenação social: a posição originária do legislador

Lia-se no Preâmbulo do D.L. n.º 232/79, de 24 de Julho, que pela primeira vez instituíu o ilícito de mera ordenação social:

"5. Após algumas hesitações, optou-se por atribuir aos tribunais comuns a competência para conhecer do recurso de impugnação judicial.
Reconhece-se de boamente que a pureza dos prin­cípios levaria a privilegiar a competência dos tribunais administrativos. Ponderadas, contudo, as vantagens e desvantagens que qualquer das soluções irrecusavel­mente comporta, considerou-se mais oportuna a solução referida, pelo menos como solução imediata e eventualmente provisória.
E isso por ser a solução normal em direito com­parado. E ainda por se revelar mais adequada a uma fase de viragem tão significativa como a que a in­trodução do direito de ordenação social representa. Além do mais, afiguram-se mais facilmente vencíveis as naturais resistências ou reservas da comunidade dos utentes do novo meio de impugnação judicial."

Ainda o âmbito da jurisdição administrativa e o ilícito de mera ordenação social: a posição do Tribunal Constitucional

ACÓRDÃO Nº 522/2008

Processo n.º 253/08
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro




Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente A., SA, e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho daquele Tribunal, de 28.01.2008, para apreciação das seguintes normas:
i) artigo 55.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, por atribuir competência aos tribunais judiciais para conhecer dos recursos interpostos dos actos administrativos, no âmbito de processo de contra-ordenação (ambiental), por violação dos artigos 212.º, n.º 3, e 214.º, n.º 3, da Constituição;
ii) artigo 73.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, na interpretação de que é irrecorrível o despacho interlocutório que, em primeira instância, negue a realização e produção de meios de prova (no caso, perícia) no âmbito de processo contra-ordenacional, por violação dos artigos 32.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, e dos princípios do acesso ao direito e das garantias de defesa.

2. O presente recurso emerge de impugnação judicial da decisão do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional proferida, em processo de contra-ordenação ambiental, contra A., SA.
Neste recurso, a recorrente A. requereu a realização de prova pericial, a realizar pelo Laboratório de Engenharia Civil, que veio a ser indeferida por despacho da primeira instância.
Inconformada, a recorrente A. interpôs recurso deste despacho, o qual não foi admitido.
Ainda inconformada, reclamou da decisão que não admitiu o recurso, tendo esta reclamação sido indeferida por despacho da Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto, de 28.01.2008.
As questões de constitucionalidade foram suscitadas, pela recorrente, no decurso do processo, tendo o despacho recorrido decidido pela sua improcedência.

3. A recorrente apresentou alegações, onde conclui o seguinte:
«1.º
A interpretação do art.° 55 n.° 3 do DL 433/82 de 27/10 que permite a atribuição de competência aos tribunais judiciais para dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas (nomeadamente dos relativos à aplicação de coimas no âmbito de processo contra-ordenacional ambiental) viola frontalmente o disposto nos art.°s 212 n.° 3 e 214 n.º 3 da CRP, uma vez que os mesmos consagram a atribuição à jurisdição administrativa de todos os litígios que emergem das relações jurídicas de direito público.
2.°
Deve assim ser decidido que o tribunal competente para julgar o presente processo é o tribunal administrativo e fiscal da área onde alegadamente foi cometida a infracção.
Por outro lado,
3.º
A interpretação que foi dada ao art.° 73 n.°s 1 e 2 do DL 433/82 de 27/10 que levou à consideração da irrecorribilidade de decisões interlocutórias que, nomeadamente, neguem em 1.ª instância a realização e produção de meios de prova (neste caso, perícia) no âmbito de processo contra-ordenacional (ambiental) viola frontalmente o disposto nos art.°s 32 n.° 1 e 268 n.° 4 da CRP (e demais princípios fundamentais vg o princípio do acesso ao direito e das garantias de defesa, com expressão, nomeadamente, no disposto no art.° 55 n.° 1 do RGCO, devendo ser admissível a interposição de recurso pelo menos de um grau, por aplicação subsidiária do regime previsto no C.P.P.

Na interpretação que lhe é dada pelo douto despacho recorrido o art.° 73 n.°s 1 e 2 do R.G.C.O. é inconstitucional.

Tal inconstitucionalidade deriva dos seguintes preceitos constitucionais: - art.°s 20.º, 29.° e 32.°, 205.° e 208.°.

A violação daqueles três primeiros preceitos constitucionais manifesta-se na impossibilidade de o recorrente requerer diligência probatória relevante para a causa.

O desrespeito do art.° 205.° n.° 2 da C. R. P. consubstancia-se na atribuição ao juiz de um poder discricionário.

Por fim, quanto ao disposto no art.° 208.° n.° 1 da C. R. P., a contradição de tal interpretação com este preceito seria indirecta: -por não se considerar o julgador livre de aceitar ou rejeitar diligências probatórias que se reputaram de essenciais para a descoberta da verdade e para uma boa decisão da causa.
9.º
O douto despacho recorrido violou por erro de interpretação o disposto nos citados preceitos legais, sendo inconstitucionais as interpretações que fez dos dois preceitos legais antes aludidos,
10.º
Devendo ser revogado e substituído por outro que julgue no sentido antes exposto, nomeadamente mandando admitir o recurso interposto, assim se fazendo
J U S T I Ç A.»

4. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional contra-alegou, concluindo da forma seguinte:
«1.°
O princípio constitucional da reserva material de jurisdição administrativa não obsta a que os recursos em matéria contraordenacional sejam apreciados pelos tribunais judiciais.
2.°
Nenhum princípio constitucional impõe que, em processo contraordenacional, esteja cometido à Relação o exercício de um duplo grau de jurisdição quanto a todos os despachos interlocutórios, nomeadamente incidentes sobre a instrução do pleito, já devida e plenamente reapreciado pelo tribunal de 1.ª instância, na sequência do recurso da decisão sancionatória com coima.
3.°
Termos em que deverá improceder o presente recurso.»

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

II − Fundamentação

5. A primeira questão de constitucionalidade refere-se ao artigo 55.º, n.º 3, do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, e alterado pela Lei n.º 4/89, de 3 de Março, pelo Decreto-Lei n.º 13/95, de 5 de Maio, pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro), que estabelece o seguinte:
«Artigo 55.º
Recurso das medidas das autoridades administrativas
1 − As decisões, despachos e demais medidas tomadas pelas autoridades administrativas no decurso do processo são susceptíveis de impugnação judicial por parte do arguido ou da pessoa contra as quais se dirigem.
2 − O disposto no número anterior não se aplica às medidas que se destinem apenas a preparar a decisão final de arquivamento ou aplicação da coima, não colidindo com os direitos ou interesses das pessoas.
3 − É competente para decidir do recurso o tribunal previsto no artigo 61.º, que decidirá em última instância.»

O artigo 61.º, para que remete o citado n.º 3, atribui essa competência ao «tribunal em cuja área territorial se tiver consumado a infracção» (n.º 1), ou, se a infracção não tiver chegado a consumar-se, ao tribunal «em cuja área se tiver praticado o último acto de execução» ou «o último acto de preparação» (n.º 2).
A recorrente suscita a inconstitucionalidade do artigo 55.º, n.º 3, na parte em que, remetendo para o artigo 61.º, atribui competência aos tribunais judiciais para julgar os recursos das “decisões, despachos e demais medidas” tomadas pelas autoridades administrativas no decurso do processo de contra-ordenação. Em síntese, a recorrente considera que a norma que atribui competência aos tribunais judiciais viola o artigo 212.º, n.º 3, da Constituição (artigo 214.º, n.º 3, antes da revisão constitucional de 1997), por este preceito consagrar a atribuição à jurisdição administrativa de todos os litígios que emergem das relações jurídicas de direito público.
Na decisão recorrida conclui-se, a este respeito, que «é de aceitar que o legislador possa atribuir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas aos tribunais judiciais, desde que não descaracterize a exigência de uma jurisdição administrativa, o que não ocorre (como é evidente) com a atribuição aos tribunais judiciais do julgamento dos recursos das decisões administrativas que apliquem coimas».

O presente recurso emerge de uma impugnação judicial de uma decisão do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, tomada contra a recorrente no âmbito de um processo de contra-ordenação ambiental.
O acto que a recorrente impugnou junto dos tribunais judiciais é, assim, um acto materialmente administrativo, proferido por uma entidade administrativa, no exercício do seu poder sancionatório, que foi antecedido por um procedimento administrativo, destinado a apurar e sancionar uma conduta violadora de normas de direito do ambiente.
Estamos, portanto, perante uma relação material controvertida de natureza jurídico-administrativa, que, no entanto, cabe aos tribunais judiciais julgar, quer no que respeita à impugnação da decisão final da autoridade administrativa (artigo 61.º do RGCO), quer quanto à impugnação das decisões e demais medidas tomadas no decurso do processo contra-ordenacional (artigo 55.º, n.º 3, do RGCO)
A questão colocada no presente recurso é a de saber se este regime é compatível com o artigo 212.º, n.º 3, da Constituição (que, antes da revisão constitucional de 1997, correspondia ao artigo 214.º, n.º 3, este introduzido na revisão 1989), segundo o qual compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.
Este preceito constitucionalizou uma jurisdição administrativa autónoma, tornando os tribunais administrativos e fiscais os tribunais comuns para o julgamento de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais.
O Tribunal Constitucional já foi várias vezes chamado a pronunciar-se sobre o alcance desta reserva constitucional de jurisdição administrativa, tendo reiteradamente sustentado o entendimento, assim resumido no Acórdão n.º 211/07:
«(…) a introdução, pela revisão constitucional de 1989, no então artigo 214.º, n.º 3, da Constituição, da definição do âmbito material da jurisdição administrativa, não visou estabelecer uma reserva absoluta, quer no sentido de exclusiva, quer no sentido de excludente, de atribuição a tal jurisdição da competência para o julgamento dos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. O preceito constitucional não impôs que todos estes litígios fossem conhecidos pela jurisdição administrativa (com total exclusão da possibilidade de atribuição de alguns deles à jurisdição “comum”), nem impôs que esta jurisdição apenas pudesse conhecer desses litígios (com absoluta proibição de pontual confiança à jurisdição administrativa do conhecimento de litígios emergentes de relações não administrativas), sendo constitucionalmente admissíveis desvios num sentido ou noutro, desde que materialmente fundados e insusceptíveis de descaracterizar o núcleo essencial de cada uma das jurisdições.»
Também a doutrina perfilha este entendimento − cfr., entre outros, GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Coimbra, 676-677; VIEIRA DA ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), 8ª ed., Coimbra, 2006, 112-114.
Dentro desta linha, a jurisprudencial constitucional pronunciou-se no sentido da não inconstitucionalidade de normas que atribuem competência aos tribunais judiciais para decidirem, nomeadamente, as seguintes questões:
i) Fixação do valor global da indemnização na expropriação litigiosa (Acórdão 746/96);
ii) Recursos das deliberações do plenário do Conselho Superior da Magistratura (Acórdãos n.ºs 347/97 e 421/2000);
iii) Acções referidas no artigo 45.º, n.ºs 1 e 2, da Lei de Bases do Ambiente (Acórdão n.º 458/99);
iv) Recursos dos despachos que concedam ou recusem patentes, depósitos ou registos (Acórdão n.º 550/2000);
v) Impugnação dos actos dos conservadores do registo predial (Acórdão n.º 284/2003);
vi) Litígios em que figure como parte a REFER – Rede Ferroviária Nacional, E.P., mesmo no caso das acções em que estejam em causa relações jurídico-administrativas (Acórdão n.º 211/07);
vii) Caducidade da declaração de utilidade pública (Acórdão n.º 302/08).
É evidente o paralelismo entre a situação dos autos e as acabadas de enunciar, em que também estava em causa a atribuição de competência aos tribunais judiciais para dirimirem litígios emergentes de relações jurídicas administrativas.
Para além disso, não pode dizer-se que a atribuição de competência aos tribunais judiciais, no caso das contra-ordenações, seja desprovida de justificação. Na verdade, a opção legislativa, com longa tradição entre nós, de manter o contencioso das contra-ordenações excluído da jurisdição administrativa foi assumida na discussão que antecedeu a recente reforma do contencioso administrativo e a redefinição do respectivo âmbito da jurisdição, de que veio a resultar o actual artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, e alterado, por último, pela Lei n.º 26/2008, de 27 de Junho). Como justificação para esta opção, invocaram-se as insuficiências de que padece a rede de tribunais administrativos (mesmo após a reforma), incapaz de dar a adequada resposta, sem o risco de gerar disfuncionalidades no sistema (cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL/ MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, Coimbra, 2002, 24).
Por último, sendo inegável a natureza administrativa (no caso, em matéria ambiental) do processo de contra-ordenação e das situações jurídicas que lhe estão subjacentes, a verdade é que o processo contra-ordenacional, pelo menos na fase judicial, está gizado à imagem do processo penal (cfr. artigos 41.º e 59.º e s., maxime, 62.º e s., do RGCO, e artigo 52.º Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, que estabelece o regime aplicável às contra-ordenações ambientais). Neste contexto, em que coexistem matérias administrativas com modelos processuais penalistas, a “remissão” para os tribunais judiciais das impugnações judiciais no âmbito de processos de contra-ordenação (ambiental) não se afigura atentatória do figurino típico que a Constituição quis consagrar quanto ao âmbito material da justiça administrativa.
Pelo exposto, conclui-se pela não inconstitucionalidade do artigo 55.º, n.º 3, do RGCO, na parte em que atribui aos tribunais judiciais competência para julgar os recursos das decisões das autoridades administrativas tomadas no âmbito dos processos de contra-ordenação.

6. A segunda questão de constitucionalidade refere-se ao artigo 73.º do RGCO, que dispõe o seguinte:
«Artigo 73.º
Decisões judicias que admitem recurso
1 − Pode recorrer-se para a relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 64.º quando:
a) For aplicada ao arguido uma coima superior a € 249,40;
b) A condenação do arguido abranger sanções acessórias;
c) O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa tenha aplicado uma coima superior a € 249,40 ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público;
d) A impugnação judicial for rejeitada;
e) O tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto a tal.
2 − Para além dos casos enunciados no número anterior, poderá a relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da sentença quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
3 − Se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infracções ou a vários arguidos e se apenas quanto a alguma das infracções ou a algum dos arguidos se verificarem os pressupostos necessários, o recurso subirá com esses limites.»

Dos elementos dos autos resulta que, por despacho do juiz de primeira instância, foi indeferido o requerimento de prova pericial (a realizar pelo Laboratório de Engenharia Civil) que a recorrente havia formulado na impugnação judicial da decisão do MAOTDR sancionadora de contra-ordenação. O recurso deste despacho não foi admitido na primeira instância e a reclamação do despacho de não admissão foi indeferida pela decisão do Tribunal da Relação do Porto, ora recorrida, invocando-se que o despacho que indeferiu a realização da diligência de prova «não se enquadra no elenco das decisões exaustivamente previstas no art. 73.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, sendo desse modo uma decisão irrecorrível».
A recorrente suscita a inconstitucionalidade do artigo 73.º do RGCO, interpretado no sentido de que é irrecorrível o despacho interlocutório que, em primeira instância, negue a realização e produção de meios de prova (no caso, perícia) no âmbito de processo contra-ordenacional (ambiental), por violação das garantias de acesso ao direito e de defesa, expressas nos artigos 32.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da Constituição.
Diga-se, desde já, que a convocação, como parâmetro constitucional, do artigo 268.º, n.º 4, é, aqui, desprovida de sentido, uma vez que está em causa a recorribilidade de um despacho judicial, proferido no decurso do processo, e não o direito de impugnação, perante os tribunais, da decisão sancionatória, este sim assente, em geral, no artigo 20.º, n.º 1, e especificamente para as decisões administrativas, no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição.
A questão da irrecorribilidade do despacho que indeferiu um meio de prova convoca a problemática do direito ao recurso, ou seja, ao duplo grau de jurisdição.
Note-se que o direito ao recurso (a que se refere o n.º 1 do artigo 32.º) é coisa diferente do direito de audiência e defesa que o n.º 10 do mesmo preceito garante em processos de contra-ordenação e em quaisquer processos sancionatórios. Esta última norma significa que é inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, contra-ordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (cfr. JORGE MIRANDA/ RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, t. I, Coimbra, 2005, 363).
Das garantias gerais de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, vertidas, nomeadamente, no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição, não decorre um direito ao recurso, ou seja, à reapreciação das decisões judiciais por um tribunal superior (neste sentido, cfr., por exemplo, o Acórdão n.º 589/2005).
Diferentemente, no âmbito específico do processo penal, as garantias de defesa incluem expressamente o direito ao recurso − n.º 1 do artigo 32.º, na redacção resultante da revisão constitucional de 1997.
O problema que se coloca é o de saber em que medida este princípio da «constituição processual penal» (a expressão é de GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4ª ed., Coimbra, 2007, 515) é transponível para o processo contra-ordenacional. A esta questão o Tribunal Constitucional tem recorrentemente respondido com a afirmação da «não aplicabilidade directa e global aos processos contra-ordenacionais dos princípios constitucionais próprios do processo criminal», que, no entanto, é «conciliável com a “necessidade de serem observados determinados princípios comuns que o legislador contra-ordenacional será chamado a concretizar dentro de um poder de conformação mais aberto do que aquele que lhe caberá em matéria de processo penal”» (cfr. Acórdão n.º 659/2006 e jurisprudência aí citada).
Nomeadamente, no Acórdão n.º 313/2007, o Tribunal afirmou que «o direito ao recurso actualmente consagrado no nº 1, do artº 32º, da C.R.P. (introduzido pela revisão de 1997), enquanto meio de defesa contra a prolação de decisões jurisdicionais injustas, assegurando-se ao arguido a possibilidade de as impugnar para um segundo grau de jurisdição, não tem aplicação directa ao processo de contra-ordenação.»
Mas, ainda que se admitisse a aplicação imediata ao processo contra-ordenacional do direito ao recurso garantido constitucionalmente apenas para o processo penal, tal não significaria in casu admitir a recorribilidade do despacho que indeferiu a diligência de prova.
De facto, o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, ao dispor que o processo penal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, não atribui um direito ilimitado de impugnação de toda e qualquer decisão judicial proferida em processo penal.
Como se refere no Acórdão n.º 221/2000, invocando jurisprudência reiterada do Tribunal, «o direito ao recurso no processo penal garante-o a Constituição quanto às decisões condenatórias e relativamente àquelas que privem ou restrinjam a liberdade ou quaisquer direitos fundamentais do arguido.»
Fora destas espécies de decisões, o Tribunal Constitucional tem entendido que o direito ao recurso se inscreve na liberdade de conformação do legislador e que a limitação da possibilidade de recurso é compatível com as garantias de defesa. Como se salienta no Acórdão n.º 216/99 «multiplicar as possibilidades de recurso ao longo do processo seria comprometer outro imperativo constitucional: o da celeridade na resolução dos processos-crime (artigo 32º, nº 2, in fine, da Constituição da República Portuguesa)».
Assim, foram julgadas não inconstitucionais normas que estabelecem a irrecorribilidade, designadamente, das seguintes decisões interlocutórias proferidas em processo penal: i) decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Publico, determinando a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento (Acórdão n.º 265/94); ii) despacho de pronúncia que decide questões prévias ou incidentais (Acórdão n.º 216/99); iii) despacho que indefere a realização de diligências instrutórias (Acórdãos n.ºs 371/2000, 459/2000 e 340/2007, entre outros);
Não estando constitucionalmente consagrado um direito ao recurso de todas as decisões proferidas em processo penal, por maioria de razão não pode entender-se que a Constituição imponha tal garantia no processo contra-ordenacional.
Pelas razões expostas, a interpretação do artigo 73.º do RGCO, no sentido de não permitir recurso do despacho que indeferiu uma diligência de prova requerida pela arguida no processo de contra-ordenação, não é incompatível com a Constituição, nomeadamente, com as garantias de defesa que o artigo 32.º, n.º 1, consagra para o processo penal e que sejam extensíveis ao processo de contra-ordenação.
Em sentido idêntico já se pronunciou o Tribunal no citado Acórdão n.º 659/2006 (disponível, como todos os demais, em www.tribunalconstitucional.pt), em que também estava em causa o artigo 73.º do RGCO, mas interpretado no sentido de não permitir recurso para o Tribunal da Relação de despacho de indeferimento de arguição de nulidade processual.
Como no mesmo acórdão já se salientou e a decisão aqui recorrida também refere, o arguido tem outras possibilidades de defesa, neste caso, contra o indeferimento do requerimento de prova, pois a irrecorribilidade daquele despacho não significa que a questão não possa ser apreciada no recurso da decisão final, configurando uma nulidade processual arguível no recurso da decisão final (artigos 120.º e 410.º, n.º 3, do CPP).


III − Decisão

Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:

a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 55.º, n.º 3, do Regime Geral das Contra-Ordenações (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, alterado, por último, pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro), na medida em que atribui aos tribunais judiciais competência para julgar as impugnações judiciais de decisões das autoridades administrativas, tomadas no âmbito de processo de contra-ordenação ambiental;

b) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 73.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, interpretada no sentido de que é irrecorrível o despacho interlocutório que, em primeira instância, negue a realização e produção de meio de prova, no âmbito de processo de contra-ordenação;

c) Em consequência, negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
Lisboa, 29 de Outubro de 2008
Joaquim de Sousa Ribeiro
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos