domingo, 5 de abril de 2009

A CAUSA DA COUSA

Senhor! A mais bela, e útil descoberta moral do Século passado foi, sem dúvida, a diferença de administrar e julgar (…).
Em poucas Nações se fixaram os limites das jurisdições, nem mesmo a respeito das pessoas dos Julgadores; e montes de ouro se gastaram, para saber a quem pertence a decisão de certo negócio, ou certa demanda.
Sem tratar precisamente das questões de jurisdição contenciosa, posso dizer com verdade, que entre os Portugueses nunca foi bem definido, e por isso nunca bem sabido, o que podia fazer um General, e um Juiz; um Eclesiástico, ou um Capitão-Mor: atribuições diferentes eram dadas indiferentemente, e sobre o mesmo indivíduo eram acumuladas jurisdições não só incompatíveis, mas destruidoras umas das outras.
Era absurdo que as Câmaras dependessem dos Generais, que os Juízes fossem fornecedores, e que os Eclesiásticos fossem administradores e às vezes Soldados; era absurdo que a Lei exigisse dos Magistrados conhecimentos locais, e ao mesmo tempo os retirasse, quando começavam a adquiri-los; e era absurdo que os Militares chamassem os Julgadores, e os repreendessem por maus fornecedores; e era absurda tanta coisa, e tanta, que a sua enumeração formaria um livro, e não um Relatório.
Neste caos achou a Carta o malfadado Reino (…).
Quanto à Administração, a matéria e forma são novas para Portugal, e as bases são tomadas na Legislação de França: a administração é a cadeia, que liga todas as partes do corpo social, e forma delas um todo, fazendo-as referir a ele. A Justiça é a inspectora, que impede que os anéis da cadeia se rompam, corrigindo os vícios, e os abusos de todas as divergências; por isso administrar é a regra geral, julgar é a regra particular. (…) A Justiça é a consequência da Administração, porque esta representa a união de interesses sociais, e a Justiça é o meio de reprimir os divergentes, e de os fazer entrar no circuito geral, e na concorrência do bem comum. (…)
A Administração é instituída para vigiar em toda a parte as pessoas, e as coisas em suas relações públicas, a fim de as fazer concorrer para a utilidade geral. Sendo a Administração o meio da execução directa da vontade pública, e por isso activa, o bem comum é o seu objecto, e o fim dos seus cuidados; e a execução das Leis de interesse comum a sua atribuição geral.
As Leis administrativas são complemento da Lei orgânica fundamental, ou da Carta.
As Leis administrativas são Leis públicas, que prescrevem obrigações a respeito de pessoas como membros da Nação, e a respeito das propriedades como elementos de riqueza pública: conveniência geral é o seu elemento, a equidade o seu princípio.
A Lei fundamental das garantias das pessoas e das propriedades, em matéria de Administração, bem como a da organização administrativa, é de natureza estável, porque vem da regra constitucional.
As Leis regulamentares, ou os modos de executar as Leis fundamentais, podem ser alteradas, mas nunca sem se consultar o interesse comum, que é o espírito da Carta, ao qual devem seguir.
O Cidadão é sempre submisso à acção administrativa.
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As Magistraturas administrativas são incompatíveis com as judiciais, e as suas funções não podem acumular em caso algum. (…)
A autoridade administrativa é independente da judiciária: uma delas não pode sobre-estar na acção da outra, nem pôr-lhe embaraço, ou limite: cada uma pode reformar seus actos próprios.
As questões de atribuições e competências, e direitos, que delas provierem, são litígios para decidir: no caso de nascerem da escuridade, ou falta de Leis é o Poder Legislativo quem deve prover; no caso de abuso de execução, ou ignorância de inteligência de Lei, compete ao Governo entender no negócio que, sendo de natureza grave, deve ser levado ao Conselho de Estado.

Extractos do “Relatório dos decretos de 16 de Maio de 1832” redigido por José Xavier Mouzinho da Silveira.
O título é do “postador” Rui Aleixo



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